sábado, 3 de outubro de 2009

Glauber Rocha

Nome Completo: Glauber Pedro de Andrade Rocha

Natural de: Vitória da Conquista, Bahia, Brasil
Nascimento: 14 de Março de 1938
Falecimento: 22 de Agosto de 1981
Biografia:
Diretor, produtor, roteirista, montador, ator, cenografista, diretor de arte, figurinista e crítico.

Até os nove anos de idade ele viveu em Vitória da Conquista. Em 1948, a família Rocha muda-se para Salvador. O menino Glauber Pedro de Andrade Rocha, os pais, Adamastor e Lúcia, e as irmãs, Ana Marcelina e Anecy, instalam-se em uma casa nos Barris, um bairro de classe média da capital baiana, que nos anos 50 se torna ponto de encontro dos amigos de Glauber, futuros artistas e intelectuais conhecidos hoje como a "geração Mapa".

Em 1949, Glauber Rocha passa a freqüentar o Colégio Dois de Julho, no qual recebe orientação religiosa presbiteriana e vive suas primeiras experiências como ator de teatro amador. Entre 1954 e 1956, faz o curso clássico no Colégio Central da Bahia. É nesse período que Glauber e seus amigos começam a movimentar a vida cultural da então pacata cidade de Salvador.

As Jogralescas, recitais de poesia moderna com tratamento de teatro, são a primeira realização desse grupo, também conhecido como a "geração de Glauber". Foram seis espetáculos em dois anos, a partir da primeira encenação em dezembro de 1956. Nesse mesmo ano, fundam a Sociedade Cooperativa de Cultura Cinematográfica Yemanjá, uma iniciativa pioneira e utópica desses jovens que acreditavam na possibilidade de se fazer cinema na Bahia.

Para que pudessem editar seus próprios trabalhos, eles criam as Edições Macunaíma e Mapa, uma revista literária cujo título inpirava-se num poema de Murilo Mendes. A revista, com apenas três números publicados entre 1957 e 1958, permanece como referência importante para esse grupo, que passa então a ser denominado "geração Mapa".

Ainda em 1957, Glauber Rocha entra para a Faculdade de Direito da Universidade da Bahia, mas não chega a terminar o curso. Nos quatro anos em que permaneceu na Faculdade, colaborou como redator, paginador e crítico de cinema da Revista Ângulos, uma publicação dos estudantes. Mais ativa, entretanto, foi sua participação nos cursos de interpretação e direção da então recém-criada Escola de Teatro.

A Escola de Teatro mais a Escola de Dança e os Seminários de Música integravam as famosas e pionerias Escolas de Arte da Universidade da Bahia. Os estudos e os espetáculos produzidos nessas escolas, ao lado das sessões do Clube de Cinema da Bahia, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento dessa geração. Conforme depoimento do próprio Glauber Rocha, o contato com os cursos de teatro foi, paralelamente à crítica jornalística, uma etapa importante de sua trajetória artística.

Entre 1956 e 1957, Glauber Rocha dá os primeiros passos na atividade crítica profissional. Inicialmente, assinando Rocha Andrade, em O Momento, jornal do Partido Comunista. Depois, no seminário Sete Dias e no programa Cinema em Close-Up, da rádio Excelsior. Em 1958, é o responsável pelo Jornal do Cinema, no recém-criado Jornal da Bahia, saindo no ano seguinte para assumir os cargos de copidesque e diretor do Suplemento de Artes e Letras do Diário de Notícias. Nessa época, publica algumas críticas no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Glauber Rocha viveu na crítica cinematográfica o que ele considerou "o esforço para uma autoformação teórica ou prática, ajudado pelas leituras daqueles que ele próprio considera como seus quatro "mestres": Walter da Silveira, Alex Viany, Paulo Emílio Salles Gomes e Antônio Moniz Vianna.

A formação intelectual de Glauber ocorre, portanto, em um momento especial da história brasileira quando, segundo ele, "Juscelino permitia a utopia estética baiana". A Bahia vivia então a euforia desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) e participava ativamente dos processos de modernização técnica e renovação cultural dos chamados "anos JK".

O ano de 1958 marca a estréia de Glauber Rocha como diretor de cinema. Com uma filmadora emprestada, restos de filme e a ajuda de alguns amigos, realiza o curta-metragem "Pátio" (1959), um ensaio cinematográfico - segundo o próprio cineasta - o qual é marcado por preocupações formais construtivas, tanto em termos cenográficos como de montagem. Esse pequeno filme de 11 minutos tem a participação de Helena Ignez, também estudante de direito e de teatro, com quem se casa em junho de 1959. Ainda em 1958, o cineasta vai ao Rio de Janeiro propor o projeto do Cinema Novo a Nelson Pereira dos Santos e trava os primeiros contatos com elementos que alguns anos depois comporiam o grupo cinema-novista. Com a proposta de "nacionalização da linguagem", Glauber avança um dos principais pontos que norteariam a estética cinema-novista no início da década de 60: os ditames da linguagem clássica cinematográfica (desenvolvida especialmente a partir do cinema norte-americano e que teve seu apogeu nos anos 40 e 50) são radicalmente abandonados.

Em 1959, prepara o curta-metragem "A Cruz na Praça", que seria mais uma experiência de linguagem. O filme estava praticamente pronto, faltando apenas a sonorização, e Glauber já planejava um outro trabalho experimental, quando perde o interesse por esse tipo de pesquisa de linguagem. Estava então engajado no projeto de "Barravento". As filmagens de "Barravento" (1961) foram feitas em dezembro de 1960, no litoral de Salvador. No começo, a direção ficou com Luiz Paulino dos Santos, que foi destituído do cargo após duas semanas, sendo substituído por Glauber que também cuida da produção executiva. Das cenas filmadas nos primeiros dias pelo diretor inicial, Glauber aproveitou algumas na versão final do filme, apesar de considerá-las esteticistas. O roteiro foi totalmente modificado. As condições de produção foram bastante precárias. A montagem do filme ocorreu somente oito meses depois de terminadas as filmagens, no Rio de Janeiro, por Nelson Pereira dos Santos. Lançado em 1962, recebe o prêmio opera prima no XIII Festival de Karlovy-Vary, na Tchecoslováquia. Pode-se considerar que "Barravento" já possui algumas das características estéticas das futuras obras do diretor. Entretanto, salta aos olhos a falta de uma direção mais segura de atores e um certo primarismo de cineclubista de determinadas tomadas de cena em busca de efeitos "geniais". Os diálogos são artificiais e soam de forma recitativa. A crítica à cultura popular como fator de alienação coloca o filme em sintonia com o ambiente ideológico do início da década de 60. A representação do universo do popular reflete a emergência de toda uma ideologia em torno das classes populares, que irá permear o cinema brasileiro principalmente de 1960 a 1962, mas que terá seus reflexos até o golpe militar de 64. Há um fascínio pela realidade social e cultural do povo, do universo distante da realidade vivida pelo cineasta, a qual é renegada. Este fascínio por uma idéia que se busca na cultura do povo ainda permanecerá em vigor no cenário de nosso cinema até fins da década de 70. O filme é uma manifestação característica, apesar de bem elaborada e repleta de sutilezas, do discurso da cultura popular como forma de alienação das condições concretas da realidade, gerada a partir da exploração de classes.

Glauber Rocha, em 1962, para evitar confusões, especifica quem realmente fazia parte do grupo do Cinema Novo. Esse grupo seria composto por Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos, Paulo Cezar Saraceni, o próprio Glauber, Alex Viany, Jean-Claude Bernadet, Gustavo Dahl, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Roberto Pires, Miguel Torres, Mário Carneiro, Miguel Borges, Marcos Farias, Ely Azeredo, David Neves e Carlos Diegues.

Em 1963, publica "Revisão Crítica do Cinema Brasileiro". Neste livro, o diretor faz um retrospecto crítico do cinema brasileiro, dando uma visão pessoal, e também de sua geração, da evolução histórica do nosso cinema. O livro articula-se em torno da noção de autor como baluarte do novo cinema em oposição à opção industrial. O termo autor designa as condições necessárias de produção para que o cinema seja expressão da verdade. O compromisso do autor para com a realidade e a sua expressão sem retoques (a verdade) exigem uma posição (ética) de recusa à indústria que o coloca em um grande conflito.

Já morando no Rio de Janeiro, Glauber volta à Bahia para filmar "Deus e o Diabo na Terra do Sol". O filme teve início em 1963 e estreou em 1964. Ganhador de vários prêmios internacionais e exibido no Festival de Cannes, 1964, com grande sucesso de crítica, a obra provocou intensa repercução na imprensa européia, com opiniões extremadas sobre o mérito do filme. Apesar de perder a Palma de Ouro, "Deus e o Diabo na Terra do Sol" ajudou a projetar internacionalmente o diretor e o Cinema Novo brasileiro. No centro desse filme percebe-se certa revolta da classe média urbana, de onde é oriundo o cineasta, pela percepção que o povo tem da realidade social. Embora não de forma tão primária quanto nos primeiros trabalhos cinema-novistas, o personagem deslocado e pendular tende geralmente para a irritação com a passividade popular. Esse filme é uma obra-prima do diretor e do Cinema Novo, participando da primeira fase deste movimento.

Em janeiro de 1965, apresenta, como tese, durante a retrospectiva organizada na Resenha do Cinema Latino-americano, em Gênova (Itália), o texto-manifesto "Uma Estética da Fome", em que define o Cinema Novo como "um fenômeno dos povos colonizados (...) a serviço das causas importantes de seu tempo". O combate ao paternalismo estrangeiro em relação ao Brasil, através de uma postura de choque, é a idéia que norteia o manifesto, que acusa explicitamente o estrangeiro de cultivar o sabor da miséria ao não senti-la como um sintoma trágico. Neste manifesto volta a aparecer, como traço central do Cinema Novo, sua preocupação com a verdade. E esta verdade não deve ser expressa através da fixação em imagem da nossa miséria para ser degustada como folclore. A maneira de romper o círculo vicioso onde a denúncia da fome e a própria fome podem ser absorvidas como espetáculo, é através da violência. Esta violência é, principalmete, a violência estilística, que rompe com as expectativas emocionais, como a compaixão, que o espectador médio espera obter da representação da miséria. É exatamente o sabor da miséria que o diretor pretende atacar no seu manifesto, propondo uma "estética da violência".

Ainda em 1965, agora com os jovens cineastas cinema-novistas, cria a Mapa Filmes para produzir seus próprios filmes e a Difilm, para distribuí-los. Em seguida, Glauber participa da produção de "Menino de Engenho", de Walter Lima Jr., e realiza o documentário "Amazonas, Amazonas" (1966), sua primeira experiência em cores. Em novembro, é preso no Rio de Janeiro com outros artistas e intelectuais quando protestavam contra o regime militar. No ano seguinte, co-produz "A Grande Cidade", de Carlos Diegues, no qual sua irmã Anecy Rocha ganha um prêmio de melhor atriz. Dirige ainda "Maranhão 66" (1966), um documentário sobre a miséria e as esperanças do povo do Maranhão, por ocasião da posse do governador José Sarney.

Em 1967, Glauber volta a agitar o meio cinematográfico brasileiro com seu terceiro longa-metragem, "Terra em Transe", cujas filmagens foram iniciadas em 1966. Muitas das dificuldades surgidas em "Terra em Transe" deveram-se à necessidade de se criar um novo país em cenários do Rio de Janeiro. O filme foi concluído em 1967, premiado em diversos festivais e exibido no Festival de Cannes do mesmo ano, onde recebe o prêmio da crítica internacional, sendo logo após lançado no Brasil. Inicialmente proibido pela censura, é liberado em seguida com algumas exigências e censurado para menores de 18 anos, sem cortes. O filme provoca enorme polêmica e posições radicais de aprovação ou de desaprovação entre as platéias brasileiras. Naquele momento de grande agitação política, como bem disse Nelson Rodrigues, "Terra em Transe era o Brasil". Nesse filme, o protagonista é atormentado por um constante sentimento de culpa, motivado pelo desprezo que exprime pela política e também pelo popular. Em duas seqüências o personagem age de forma irônica e agressiva em relação a este universo, entrando, depois, em uma profunda angústia. O mundo do prazer, da realização pessoal pelo poder e da poesia, aparecem em oposição à política enquanto atividade engajada. O dilema do personagem, sua fome de absoluto, encontra na política apenas motivo para remorso. A obra tem como temática, assim como as demais dessa segunda fase do Cinema Novo, o dilema do jovem de classe média face a um contexto ideológico que se esvai com a ditadura militar.

Em julho de 1968, enquanto esperava a liberação da produção de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" (1969), Glauber Rocha, aproveitando alguns atores deste filme e negativos em P&B que tinha à disposição, decidiu fazer um filme em 16mm experimental: "Câncer" (1972). O temperamento perspicaz do cineasta percebeu naquela época a existência embrionária de uma produção alternativa, feita pela nova geração (a do Cinema Marginal), da qual o Cinema Novo estava se afastando. O abandono de um caminho que era caro ao diretor por causa das concessões feitas ao grande público, faz com que dirija um filme em 16mm P&B ao mesmo tempo em que realiza uma superprodução a cores, "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro". "Câncer" se aproxima de maneira significativa da produção do Cinema Marginal, movimento chamado depois, por Glauber, de "udigrudi" (underground). A ruptura com a linguagem clássica é a seco, sem nenhuma retaguarda em termos de forma popular. A temática é essencialmente urbana de classe média, em que se discutem de maneira muito fragmentada os problemas existenciais de um casal, drogas, violência, misticismo. O problema social aparece em função das minorias (o negro, a mulher), o que também é um enfoque diferente no Cinema Novo. O esquema de produção foi entre amigos e de baixo custo. A forma do filme e sua linguagem exploram também o momento aleatório da filmagem, testando a resistência-limite de um plano em sua duração. Nesse mesmo ano, registra algumas passeatas no Rio de Janeiro em um filme de 22 minutos, "1968", e trabalha na produção de "Brasil Ano 2000", de Walter Lima Jr., também interpretada por Anecy Rocha.

Ainda em 1968, Glauber publica "O Cinema Novo e a Aventura da Criação", onde se vislumbra uma concepção mais concreta em termos do mercado cinematográfico e das condições necessárias para se dominar o setor de exibição. Argumenta em favor de uma organização industrial que permita, simultaneamente, a expressão autoral e a manutenção do compromisso ético com o universo não alienado da verdade. As concessões em termos da linguagem cinematográfica propriamente são poucas. A definição de como deve ser a linguagem que permita à verdade sua expressão é desenvolvida em termos bastante próximos aos de "Uma Estética da Fome".

Declarações de Glauber Rocha, em 1969, indicam uma mudança brusca de rumo, não só em relação à "Uma Estética da Fome", mas também ao texto "O Cinema Novo e a Aventura da Criação". O cineasta reformula diversas de suas opiniões anteriores sobre o cinema industrial e a comunicação com o público. Esta emerge agora em primeiro plano, relacionada não só ao setor de distribuição mas também à produção.

A opção pela grande produção e o mercado é, então, nítida em "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", que aparece como uma tentativa de atingir o grande público através da exploração de uma forma narrativa baseada em tradições populares, temperada pelo grande espetáculo e pela cor. O filme, inicializado em 1968 e terminado em 1969, foi exibido no Festival de Cannes de 1969, onde Glauber dividiu o prêmio de melhor diretor e o filme ganhou o prêmio de melhor 'mise en scène'. Esta obra, continuação de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", é sensível aos argumentos de que a tentativa de representação do popular do Cinema Novo nada mais era do que a imagem da própria burguesia face a seus dilemas. O filme, como um todo, parece ser uma tentativa de redirecionar determinados aspectos de "Deus e o Diabo", dando-lhes forma mais radical. Porém, falta à obra a organicidade do filme anterior. Determinadas construções ficcionais desenvolvem-se a partir de uma idéia predeterminada, mas sem maior relação com o filme em sua totalidade. A imagem do povo em festa é constante e, por isso, surge como quadro congelado de fundo para o desenvolvimento da ação. Outra imagem particular é a presença do Brasil moderno através da imagem de caminhões, asfalto, etc. O sertão mítico já não pode mais ser representado em sua pureza, e a interação com o resto do país contemporâneo gera, através do contraste, uma das formações mais caras à alegoria tropicalista. Utilizando-se de formas alegóricas para representar o Brasil, Glauber participa com esse filme da terceira e última fase do Cinema Novo. Nessa época, Glauber interpreta o seu próprio papel - "um cineasta que aponta o caminho verdadeiro para o cinema político revolucionário" - em "Vent d'Est", filme de Jean-Luc Godard.

A repercussão de "Antonio das Mortes", título internacional de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", abre os caminhos de Glauber Rocha para a produção de filmes no exterior. Correndo mundo e perigo após a realização de "O Dragão da Maldade", o diretor será um ponto de convergência da dura realidade do exílio, das relações tensas com a censura, do esfacelamento das utopias, da aproximação dos produtores culturais com o Estado. E Glauber parece movido por uma fé que o torna incansável, dirigindo em vários países, escrevendo, procurando intervir na cultura e na política. Em setembro de 1969, filma "Der Leone Have Sept Cabeças", uma produção italiana rodada no Congo, que trata do colonialismo internacional e das lutas dos colonizados pela libertação. Em março de 1970, realiza na Espanha, "Cabezas Cortadas", mais uma materialização de seus sonhos.

Entre 1970 e 1976, devido ao acirramento da censura e da repressão política no Brasil, Glauber permanece fora do país. Em 1971, apresenta na Universidade de Columbia, Nova Iorque, o texto "Estética do Sonho", no qual expões sua mudança em relação ao conceito de "arte revolucionária". Em 1972, juntamente com Marcos Medeiros, inicia em Cuba as filmagens de "História do Brasil" (1974), um projeto ambicioso que pretendia dar "aos interessados uma compreensão mais exata e científica do Brasil". O filme seria concluído somente dois anos depois, em Roma. No ano de 1975, filma em Roma - "uma cidade do Terceiro Mundo, uma espécie de grande Bahia" - o longa-metragem "Claro". Glauber Rocha queria com esse filme, rodado em apenas onze dias, "ver claro nas contradições da sociedade capitalista de nosso tempo".

O diretor começa a entrar na política com a mesma impetuosidade com que agia no campo da arte e desconcertava a todos que combatiam o Estado autoritário. E esta vai ser uma constante em Glauber após sua volta, em 1976: a crença de poder interferir no jogo de forças políticas com a mesma potência que detém no cinema, como um dos maiores cineastas de todos os tempos. Defendendo determinadas posições, interferindo nos embates em torno da Embrafilme, o diretor vai ter uma atuação que parece ser apenas a manifestação de um extremo desejo de pragmatismo. E que vai em rota de colisão direta com sua prática artística sempre com fortes intenções revolucionárias.

Em julho de 1976, Glauber volta ao Brasil. No mês de outubro, filma o discutido curta-metragem "Di Cavalcanti", no qual mostra o velório do pintor. O filme provoca fortes reações da família de Di Cavalcanti que, inclusive, consegue a interdição da obra na justiça. No ano seguinte, o filme ganha o prêmio especial do juri no Festival de Cannes. Em março de 1977, a morte acidental de sua irmã, a atriz Anecy Rocha, deixa-o profundamente abalado. Nesse mesmo ano, realiza o média-metragem "Jorjamado no Cinema" - encomendado para a TV - e começa as filmagens do seu último e controvertido filme, "A Idade da Terra" (1980).

Em 1978, publica o romance "Riverão Sussuarana" e, em 1979, Glauber retoma a atividade jornalística, escrevendo para os periódicos O Pasquim, Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil; na televisão, participa do programa Abertura.

Em 1979, nasce sua última filha, Ava Pátria Yndia Yracema. Glauber Rocha teve uma vida amorosa intensa e quatro filhos. Em 1960, nasceu Paloma, do casamento com Helena Ignez, de quem se separou em 1961. Com Maria Aparecida de Araújo Braga, teve Pedro Paulo, nascido em 1977. Da união com a fotógrafa colombiana Paula Gaetan, com quem viveu os últimos anos de sua vida, Erik Aruak, em 1978, e Ava Pátria.

O fecho de ouro glauberiano, para a década de 70 e também para uma concepção cinematográfica que imperou nos anos 60, viria com a produção que começa a preparar em 1977, e na qual investiria todo o seu potencial. "A Idade da Terra" é o resultado de 30 horas de filme rodadas em Salvador, Brasília e Rio de Janeiro - "as três principais capitais" da história do Brasil -, com som direto, improvisações e imponente Cinemascope. Em setembro de 1980, a obra é exibida - e mal recebida pela crítica - na Mostra Internacional de Cinema de Veneza. Poética e grandiosa visão do Brasil, a obra condensa em imagens o vulcão de idéias que consome o diretor. As reações foram ácidas por parte da crítica e do público, muitos não conseguindo fruir nem mesmo o delirante plano inicial. Assistiu-se a um jorro de raiva acumulada sobre o diretor. "O filme oferece uma sinfonia de sons e imagens ou uma anti-sinfonia que coloca os problemas fundamentais de fundo", segundo o próprio autor. Enfim, conclui Glauber, "a colocação do filme é uma só: é o meu retrato junto ao retrato do Brasil".

Em 1981, Glauber Rocha volta para a Europa, ficando alguns meses em Roma e Paris, estabelecendo-se a seguir em Sintra, Portugal. Após cinco meses, adoece gravemente do pulmão e, transferido para o Brasil, morre no Rio de Janeiro aos 42 anos de idade. O "meteoro" Glauber Rocha - imagem freqüentemente ligada a ele - acabava de passar. Brilhante e efêmero como costumam ser os meteoros.

O objetivo do cineasta foi incutir um nacionalismo cultural através de um cinema polêmico e não-comercial. A mensagem de seus filmes era que a violência pode transformar uma ordem social cuja essência era a fome. Autor da famosa frase "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça", ele desenvolveu um estilo lírico, alegórico e auto-reflexivo, em reação ao realismo cinematográfico euro-americano. Em seus filmes há um frenético movimento de câmera e uma montagem à moda de Eisenstein.

Filmografia:
1980 - A idade da terra
1979 - Jorjamado no cinema
1976 - Di Glauber
1975 - Claro
1974 - As armas e o povo
1974 - História do Brasil
1972 - Câncer
1970 - Cabeças cortadas
1970 - O leão de sete cabeças
1968 - O Dragão da maldade contra o santo guerreiro
1967 - Terra em transe
1966 - Maranhão 66 Documentário que registra a posse de José Sarney como governador do Maranhão. Foi financiado pelo próprio evento que marcou o início da domínio político da família Sarney no Estado, que perdura até hoje. Em contraponto ao discurso de posse e da multidão em celebração, o filme mostra a miséria da população a ser governada. Algumas das imagens documentais da festa foram usadas na montagem de Terra em transe.
1963 - Deus e o diabo na terra do sol
1960 - Barravento
1959 - O pátio (PB, 11'). Glauber estréia com um curtametragem hermético e experimental, vertentes que logo em seguida ele renegará em favor de um cinema político, mas que reaparecerão mais tarde em filmes como Câncer e A idade da terra.


Prêmios:

• Ganhou o prêmio de Melhor Diretor, no Festival de Cannes, por "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro" (1968).

• Ganhou o Prêmio FIPRESCI, no Festival de Cannes, por "Terra em Transe" (1966).

• Ganhou o prêmio de Melhor Curta-Metragem, no Festival de Cannes, por "Di Cavalcanti" (1977).

• Ganhou o Grand Prix, no Festival de Locarno, por "Terra em Transe" (1966).


Curiosidades:
• Chegou a cursar, durante pouco mais de um ano, o curso de Direito da Universidade Federal da Bahia.

• Em 1958 era o responsável pela coluna policial do recém-formado Jornal da Bahia.

• Chegou a realizar o curta-metragem "Cruz na Praça", único de seus filmes que não foi concluído devido à falta de sonorização.

• Foi no curta-metragem "Amazonas, Amazonas" que teve seu primeiro contato com o cinema a cores.

• "Terra em Transe" foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes apesar da oposição do Itamaraty, que indicou para o festival "Todas as Mulheres do Mundo", de Domingos de Oliveira.

• O curta-metragem que tem título original de Ninguém Assistirá Ao Enterro Da Tua Última Quimera, Somente A Ingratidão, Aquela Pantera, Foi Sua Companheira Inseparável!, tem título internacional de Di Cavalcanti e tambem é conhecido como Di-Glauber e Di Cavalcanti di Glauber.

• Foi preso em novembro de 1965, por estar em um protesto contra os militares durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Rio de Janeiro. Permaneceu 23 dias na prisão.

• Viveu em exílio entre os anos de 1971 e 1976.

• É pai do também diretor Eryk Rocha. Irmão da atriz Anecy Rocha.

• Faleceu em 22 de Agosto de 1981

• Eryk Rocha é diretor de Rocha que Voa, documentário sobre o exílio em Cuba de 1971 a 1972, um dos períodos menos conhecidos da vida do diretor Glauber.

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